P I L A R S Á E Z T O L O S A
Escultura cerâmica
Um dia, a caminho da serra, uns amigos comuns, recomendaram-me visitar o atelier da Pilar. Diziam-me com veemência: “De certeza que vais adorar!” Respondi-lhes: “Está bem. Procurá-la-ei nas redes sociais…”, sem lhe dar a real importância, confesso. Enquanto olhava a paisagem, comentavam-me as formas orgânicas de cada peça, como sentiram necessidade de tocá-las e habitá-las, ainda que por breves momentos. Inclusive, perguntaram-me se haviam sido demasiado intrusivos. Sorri-lhes e disse-lhes: “ Não! É um privilégio máximo que a nossa obra “fale” com o público.” Inquietou-me a descrição tão epidérmica de cada objeto e quando voltei a casa não duvidei em procurar a Pilar no Instagram e começá-la a seguir desde do momento zero.
Os seus objetos interrompem a velocidade dos nossos dias.
Captam a nossa atenção. Interrogam-nos e fazem-nos tentar procurar possíveis respostas a perguntas que nunca nos tínhamos feito. A mim, em particular, fez-me parar e querer saber mais. O meu dia foi interrompido, o tempo e o espaço detiveram-se. Não duvidei em escrever-lhe e convidá-la a ser a primeira artista deste ciclo de conversas, que se inicia hoje. A sua resposta foi um SIM maiúsculo, que me motivou.
Arte e Vida vão lado a lado, e a Obra é o Artista.
Se a sua obra detém o nosso tempo e espaço, e estabelece relações fortes, a Pilar também. Surpreendentemente, no nosso primeiro encontro houve muita conexão. Encontrar alguém nume espaço e tempo tão próximos ao nosso é muito inspirador e nutritivo. Curioso é que o tempo, o espaço, a luz e as relações são premissas basilares da Arquitetura, e todas elas se podem encontrar nos seus objetos. Pequenas arquiteturas surgem, depois de profundos processos de reflexão, questionadores de episódios quotidianos, que procuram encontrar resposta além dos limites do (dito) socialmente correto.
A Pilar, vê com as mãos e toca, sem medo, cada tema desde do avesso. Audaz, vive na fronteira, num constante estado de aprendizagem, sempre em movimento e com uma coreografia muito própria e dissidente.
PERCURSO

Nasceu em Madrid e viveu pelo o mundo.
Sem amarras atravessou continentes e culturas. Em partes iguais, o desconhecido intriga-a e move-a. Recetiva ao novo e ao diferente, cruzou diferentes artes: dança, pintura, cerâmica… E é nesta última que se dá a conhecer. Com um sentido estético apuradíssimo e um fascínio pela arquitetura, cria objetos orgânicos, que são um hibrido entre a escultura, a arquitetura e o design.
A sua obra começou no dia em que nasceu. Cada peça sua resulta da soma de todos os anos vividos até esse momento. Em determinada altura do nosso encontro, comentou-me que a partir dos 40 anos temos a estrutura e a segurança de afirmar o nosso posicionamento com assertividade e empoderamento. Ainda que seja, de certa forma, incoerente. Se, por um lado, temos robustez interior, por outro, o nosso corpo físico começa a manifestar algumas fragilidades e mutações. Confirmo. É a vida a habitar-nos e, uma vez mais, a desafiar-nos a (re)descobrirmo-nos.
OBRA
| PROJETO 2165

Na sequência de um episódio de debilidade física que viveu cria a serie Projeto 2165. Tudo começou quando, teve que se enfrentar a uma luta de titãs. Uma bactéria encontrou no seu pulmão o habitat ideal. Queria ser sua inquilina por tempo indeterminado, mas a viabilidade da convivência entre ambas era diminuta. Só uma teria visto de residência. “Durante 9 meses, tempo análogo ao de uma gestação humana, submeti-me a um tratamento médico que incidiu em cada faceta da minha forma de ser e de estar no mundo até ao momento”.
Ainda que Pilar diga, com convicção, que foi uma invasão onde ambas tinham o mesmo direito à vida, acrescenta: “Durante o tempo em que convivi com uma presença invisível que lutava pela sua sobrevivência dentro de mim e para a qual era imprescindível a minha destruição, desencadeou o desejo de converter essa tour de force em criação material dentro do campo a que dedico toda a minha atenção: o trabalho do barro. Essa experiência de invasão de uma existência invisível que me ia colonizando, intensificou-se quando se iniciou o combate. A sua destruição provocou a minha sobrevivência, mas as ferramentas para enfrentar essa luta foram as que mais me aproximaram aos meus próprios limites, e é exatamente este conflito que me suscitou o máximo interesse”.
Ness alta entre pares, a Pilar teve que tomar 2165 comprimidos. A sua arma química de defesa pessoal. E é com base nessa experiência que cria em cerâmica branca esmaltada 2165 micro peças, com a mesma forma e tamanho das suas monições. Quando as agarramos e as agitamos, ouve-se Plim Plim Plim… Esse som tão característico da porcelana. Uma composição sonora cristalina, com origem numa aguerrida batalha.
| WHERE THE WILD THINGS ARE

O meu primeiro contacto com a obra da Pilar deu-se com estas peças de barro refratário com chamote (material granulado com alta percentagem de sílica e alumínio) que se coze a alta temperatura (1250º) e é, supostamente, mais resistente. Este tipo de barro, que contem uma forte estrutura interna, permite a Pilar fazer formas que mudam de direção, que sobem em altura e que se vão construindo pouco a pouco sem desmoronar. A textura resultante, é granulada, tipo terra, seduzindo ao toque. Para as peças finais ficarem brancas, a Pilar as infra coze, a uma temperatura inferior à recomendada pelo fabricante. Ao ser uma peça escultórica e não utilitária, dá-lhe mais liberdade no momento da cozedura.


Quiçá são as peças mais viscerais de Pilar, que materializam a sua revoluçao interior. Deixa-se levar no processo e a forma final é fruto de um diálogo intenso com a obra, onde há concessões de ambas as partes.
Constrói através de churros de barro, o que lhe permite gerar peças orgânicas e a grande escala. Como diz Pilar: “São peças que vivem sozinhas, evoluem autonomamente e vão pedindo direções, volumes, aberturas… Até tal ponto em que noto que perco o controle e sempre são mais grandes do que quero inicialmente…” E há sempre um momento em que é surpreendida e exclama: “Olha, até onde me levaram!”.

| ENCONTROS IRREPARAVÉIS

Esta série de peças surge duma reflexão sobre os Encontros Irreparáveis.
Há um momento exato (ou vários), nas nossas vidas, em que somos intersectados por um episódio X e jamais voltamos ao que eramos. A nossa forma muda e o mundo também. Em especial, o nosso.
Estas peças são feitas na roda de oleiro e montadas posteriormente, onde se podem trabalhar as simetrias e a pureza das formas. A estas formas geométricas inseriu-se pedras. As quais geraram um movimento participativo fantástico entre os amigos da Pilar. Sempre que encontravam uma pedra, ofereciam-na, deixando assim a sua marca. O seu carinho.
| CHÁVENAS BORNE

Em uma linha totalmente distinta, surge esta série de chávenas.
O desenho é milimetricamente estudado em plantas de autocad e tomam forma em moldes que facilitam uma produção em série. Estas chávenas de formas geométricas puras e esmaltadas, surgiram da inquietação de Pilar estudar outra forma de segurá-las, a asa tradicional não lhe valia. Sempre que tomava chá, agarrava na chávena colocando o dedo índice e médio entre a asa, e no outro extremo pressionava levemente com o polegar. Com esta premissa criou estas chávenas que podem induzir a um ritual lento da toma de chá, onde o liquido arrefece gradualmente e a chávena é a continuidade da mão, onde o dedo índice e médio se apoiam numa pequena peça trapezoidal.

CONTACTO
Esta viagem foi escrita depois de um exercício meu de memória.
E concluio, que com o tempo a memória é cada vez mais selectiva e só retém o que de verdade importa e se sente. Espero que este Encontro, com a Pilar e a sua obra, seja Irreparável, tal como foi para mim.
Podem contactá-la, em:
IG | @_pi_studio
E.mail | email.pistudio@gmail.com
Muito obrigada, Pilar, por inspirar-nos a romper os nossos limites e a encontrar poesia no obviedade!